… para dizer as coisas …
Espaço entre as coisas dá título à mostra de Antonio Bokel, cujo conjunto reunido tem como fio poético a ideia de intervalo – não como mera ausência, mas como elo de ligação entre o circunstancial e o subjetivo. Nele, uma espécie de força nos conduz de um trabalho a outro, feito linha magnética através da qual as obras parecem repercutir, em circularidade, graças a formas e sinais em permanente rearranjo.
Trata-se, aqui, de apresentar a produção mais recente do artista, na qual a urgência da pintura urbana, que caracterizava sua poética, silencia em favor da concentração sobre coisas mundanas. Não por acaso, coisas assumem o papel de imagens e estas, no lugar de palavras, criam conexões, feito poesia a sugerir novos significados ao nosso estar no mundo.
Ora, para se percorrer os espaços entre as coisas é mister atravessar uma ponte. Sim! Uma ponte construída com silêncio. Intervalo através do qual se pode escutar as coisas, como quem medita. Mas vejam, à maneira de Rilke, elas (as coisas) parecem precisar de nós. E talvez estejamos aqui, como afirma o poeta, para dizê-las como jamais pensaram ser. Efêmeras coisas que, “estranhamente, nos solicitam. A nós, os mais efêmeros”.
(Afinal, nós também precisamos delas.)
… casa, árvore, porta, janela, jarro… coisas mundanas que nos alertam sobre instante e perenidade, dados lapsos e ritmos que as separam e igualmente ligam-nas, emprestando-lhes formas – tal qual a música ao silêncio e o vaso ao vazio, como vaticinou Braque. Assim, feito escrita intervalar, escrita de imagens, poesia expandida a nos empoderar ante a finitude.
(Seria esse espaço um tipo de portal?)
Somos tão fugazes… Nossa existência contrasta com nosso desejo pela perenidade… Então, nossa imagem se espelha nas marcas que deixamos… E assim, coisas mundanas, objetos domésticos, edificações (com propósitos que, por vezes, nos escapam) são para Bokel naturezas mudas ou mortas, em que espaços “entre” – ou melhor, vazios – parecem gritar aos nossos olhos, para se fazerem ver e ouvir, na condição de imortalidade.
Em sua feição ingênua, este conjunto de obras assinadas por Antonio Bokel (pinturas sobre papel, tela, madeira e cerâmica) revela sofisticação, tanto na paleta quanto na pesquisa formal, além de vasta experimentação dos materiais. E no entender desta curadoria, indica também ser liminar ao projeto poético do artista.
Sob notável interesse em precursores do Modernismo (como é referencial a produção de Volpi e Matisse), da arte urbana (como é exemplo Basquiat) e da artis-manus (relacionada à arte naïf), suas obras mesclam vocabulários que transitam do grafite citadino à artesania doméstica, tocando em questões filosóficas acerca do sujeito no mundo. Metaforicamente, retratam as coisas, não como meras “naturezas mortas”, mas, sim, como “vidas suspensas”. Vidas oriundas do desejo, de Antonio, de dar voz ao vazio do indizível.
Sonia Salcedo del Castillo I março de 2016